caminha, caminhando, poetando, vivendo como Deus me permite viver. É assim que vou. É desse jeito que sou. E aqui vão: notícias mensagens, poesias, crônicas, artigos, enfim, tudo que gosto e sou, parte dos caminhos que este caminhante procura seguir. Apenas isto!

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Crônicas dum mané!!!

Crônicas dum mané!

Meus amigos,

Esta crônica surgiu depois que meu amigo João Braz da Silva, de Blumenau, me enviou o seguinte e-mail:


MEUS AMIGOS.

DENTRO DA VELHA MÁXIMA DE QUE “JBS TAMBEM É CULTURA”, ANEXO DADOS INTERESSANTES SOBRE CULINÁRIA, MAIS ESPECIFICAMENTE SOBRE O FAMOSO BACALHAU.

Abraços

Braz


Curiosidades sobre o BACALHAU...

Os peixes que são transformados em bacalhau

São cinco os peixes transformados em bacalhau (veja também Fotografias com os peixes, os respectivos tipos salgados e secos, e as formas de corte.)


O primeiro é o Cod Gadus Morhua, o Bacalhau do Atlântico Norte, o legítimo bacalhau;

A seguir o Saithe, o Ling e o Zarbo, que também são peixes salgados e secos.

O quinto peixe é o Cod Gadus Macrocephalus , o Bacalhau do Pacífico
ou do Alaska.



Portanto, fica claro o seguinte:

"Não existe em todo o mundo um peixe denominado Bacalhau, e sim a forma de sua conservação: peixe salgado !".


Até aqui foi o e-mail de meu amigo Braz!





Inconformado com tamanho assinte cultural e gastronômico resolvi colocar na tela de meu computador, utilizando-me daquela ferramenta chamada WORD, que o Bill nos disponibilizou para substituir o fantástico Fácil (lembram dele? Um editor de texto - o primeiro do Brasil - criado em Blumenau). Pois então tá! Aí vai a crônica para o deleite de quem aprecia uma boa história dos manézinhos da ilha (Floripa, é claro!).


NOTAS PRELIMINARES

1 - Apenas para efeito de compreensão da pronúncia do manézinho, tomei a licença de acentuar as palavras paroxítonas.
2 - Da mesma forma, o manézinho não pronuncia a letra r ao final dos verbos fazendo tônica a última sílaba.
3 – Nas expressões em “manezês” tomei a liberdade de justapor um número para explicar seu significado. Ao fim da crônica acrescentei um pequeno dicionário destas expressões.
4 – Finalmente uma dedicatória: à minha Avó Mimosa, minha mãe Edy, à tia Quita, aos tios Ernani e Zilma, aos primos Bruno e Iracema, à tia Maróca, ao Elsinho e a outros tantos manézinhos citados ou esquecidos, gente com quem aprendi muitas das expressões aqui contidas. Ah! E ao meu amigo Braz, afinal sem seu e-mail esta estória não aconteceria.
O resto foi tentar expressar o jeito de falar dos manézinhos de Floripa. Perdoem-me, portanto, se não estiver de acordo com sua simplicidade, alegria e jeito ligeiro de se expressar.

Bem, agora chega de explicações, embromações, e vamos à crônica, senão vocês enjoam e acabam ficando por aqui.



Tás tolo é?

Ói genti, é u siguinti. Quando eu recibi u i-meiu du mô amigu Braz, lá di Blumenau – ô terrinha di genti galega, não? Parece tudu uns caneco di chopi. Tudu loirinho! – me arrepiô us cabelu. Quase nem acreditei. Pois num é qui essi i-meiu – porqui será que tem essi nomi, hein? Pareci cois di gagu. Purque não é só meiu? Tem qui sê i-meiu? I si fossi intêro? Seria i-intêro? Vai vê qui é purquê num leva selo esta jóça(1)! Mas ô dizia qui essi i-meiu mi dexô maluco. Fiquei doidu. Puto memo! Cheguei até a sortá um palavrão daquelis. Sabi? Aquele qui tem as inicial pqp. To iscrevendo i não possu dizê um palavrão dessi aqui né, ô! Si não num fica nada bem! Vai sê um pegapacapá(2)!

Lá u Braz dizia qui u tal du bacalhau non é bacalhau? Pódi issu? Sabi comé(3) quele si chama? COD GADUS MORHUA! Ô sei. Tu também vaish dizê Códuquê? É issu memo qui tu tá leno(4). COD GADUS MORHUA. Agora ô vô dize u nomi feiu. Ah! Vô memo! Não güento(5) issu. Puta quius pariu!!!! Ô passei a vida intêra cumendu essi bichu i agora u Braz vem mi dizê qui ô non cumi bacalhau, sô! Ô cumi foi essi tal di Cód di não sei quê? Ô nomizinhu impombadu(6), não? Vô até iscrevê ele di novu, cumódi(7) vê si aprendi: COD GADUS MORHUA. Issu é uma sacanagi. Ói, ió, ió! Vai ti cagá sô amarelo!(8) Óia, Braz! Bem qui tu pudia mi deixá vivê u restu di minha vidinha sem sabê dessi ingano. Sô viadinhu!

Mas u Braz non é di menti, co sei. Quandu eli diz é purque é verdade. Eli é daquela turma do Sino-Saimão(9) . I eu acreditu nessa turma.

Pió(10) ô, non é issu! Digerinho, digerinho(11), mi passô pela cabeça quanta gente si inganô cum essi bichinhu. A minha tia Quita purexemplu(12). Lá du Riberão! Tadinha dela! Passô a vida intêra preparando nus dia di festa u tal di bacalhau – é purque bacalhau – ou essa pomboca(13) dessi nomi – só si cumia im dia di festa. I agora? Bateu a caçuleta(14) e morreu inganada. Tadinha. Vô telefoná pru João José, pru Carlinho, pra Lili i prá Gracinha, qui são fios da tia Quita, só pra contá prá elis issu. Comé qui vamu recuperá essi prejuízu?

Ainda bem qui a tia Quita si fartava memo era im cumê(15) cocoroca, canhanha, berbigão i camarão, cum pirão di nailo i arroz, na épuca qui camarão nu Riberão dava di cambulhão(16) . Ah! I tainha, nu invernu com pirão di fejão.

Ô mô pai não tem probrema. Si foi tamém. Qui Deus o tenha, mô quiridu! Mas non gostava di pêxe. Daí saiu nu lucru. Ou vai vê qui nem tantu. Lembru qui eli gostava di fazê um agradinhu a alguns parente. Môs avósh, môs tiush. Passava nu Mercado e comprava uns quilinhu du bichu pra dá di presenti. Ô(17) , pelu menus, nunca di(18) essi bichu prá ninguém, né! Mas qui cumi, cumi. I tamém tô nu prejú. A minha mãe tomém, si istrepô essi tempu todinho.

Mô Deus du céu, mo fio. Só di pensá na muntuêra(19) di genti qui cumeu essa praga inganado. Dá até arrepiu na ispinha. Dijaôje(20), dispois dessa nutíça(21) ô fiquei pensando nu mô tio Ernani. Gostava dum bacalhau quera(22) dincardi(23). Tadinho. Ô mô pombo(24)! Mô quiridu padrinho. Já si foi tamém e non disconfiô qui tava inganado u tempu todu. Tomém tem u siguinti: si eli sabe antes, quandu era vivinho da silva, ia ficá cum cara di cachorro mijando na chuva(25), di tanta vergonha qui passô cunvidandu genti pra cumê u bacalhau da tia Zilma.

I u Bruno? a Iracema? U Tiu Élson? A tia Dalva? O Elsinho tadinho, qui quandu ainda era vivu mi mandô uma caxa intêra di presente?

Até im Blumenau! O Arvaru Bruqi! Qui todu u derradêro du anu faiz um dessi bichu di incardi prá turma do Terça a Todu Vapô, lá du Bela Vista? Será qui todu mundu tá inganado? Aqui im Flonópis nunca ninguém viu fala du tal di Cód não sei quê. Todu mundu pensa qui bacalhau é bacalhau. Qui nem eu, até qui recibi essi i-meiu digraçado(26).

Puta quius pariu, Braz. Tô até cum dô di cabeça. Di tantu pensá. Pópará! Pópará pur aí(27)! Qués sabê? Mofas(28), sô istepô(29) ! Côa pomba na balaia(30) . Ô é qui non vô mais fica ajojado(31) cum issu não. Vás dormi cos bilro na almofada(32) si tavas pensandu em mi incomodá com uma nutíça dessa. Tás tolo é?

Essa coza(33) já passô dus limiti. Di tantu ficá aqui incasquitado(34) acabei me cortandu cum caniveti. Tava dicascando(35) umas ostra e óia u qui deu essi distraimento(36) . Cortei us dedu. I corte cum coza du mar verte uma sangüêra danada. Ainda bem qui a muié, a Seluta, tinha pópatapataio(37) , qui istancô a sangüêra toda. Vi jeitu di tê qui i pru hospitali.

Essa tua istória vai dá qui falá. Cumé cus homi agora vão chamar a periquita quandu não tá bem lavada? Chêru di quê? Era di bacalhau! Agora mi diz. Tu achas qui elis vão dizê qui a periquita da fulana ou da beltrana tá cum chêru di COD GADUS MORHUA? Arrombassi ô! Dessi di langa(38) .

Achu bom é fica puraqui. Tá bom! Tá bom! Si u qui cumi foi essa coza qui tá aí, Deus mi livri i mi guardi. Já minervei(39) ! Võ é mi acarmá qui non possu mistressá. Vô é dá di mamá prá inchada(40) ! Ô sempre pensei qui fossi bacalhau, memo! Prá mim vai sê sempri bacalhau i prontu!

Luiz Eduardo Caminha
Floripa, 26.09.2008


Prumódintendê: (De maneira a entender)

Apenas para efeito de compreensão da pronúncia do manézinho, mantive os acentos nas palavras paroxítonas.
Da mesma forma o manézinho não pronuncia a letra r (erre) ou a letra u final das conjugações verbais fazendo tônica a última sílaba.

1 - Jóça - coisa
2 - Pegapacapá – “pegar para capar”, diz-se de uma coisa que vai causar muita confusão.
3 – Comé – Como é.
4 – Leno – lendo
5 – Guento – agüento.
6 – Impombadu – metido, exibido, pomposo.
7 – Cumódi – de maneira a
8 - Sô amarelo – xingamento que significa: seu fraco, seu doente.
9 – Sino-Saimão - Signo de Salomão. Também Estrela de Davi.
10 – Pió – pior
11 – Digerinho – ligeirinho
12 – Purexemplu – Por exemplo
13 – Pomboca – droga, coisa sem valor, também: lamparina cônica à querosene. Também é usado como nome do órgão genital feminino – o mesmo que pomba.
14 – Bateu a caçuleta – o mesmo que bateu as botas, bateu as canelas – Morreu.
15 - Cumê – comer
16 – Cambulhão – em grande quantidade
17 – Ô – Eu.
18 - Nunca di – nunca dei.
19 – Muntuêra – aos montes, em grande quantidade.
20 - Dijaôje – ainda há pouco, ainda agora, hoje mesmo.
21 - Nutíça – notícia
22 – Quera - forma sincopada de “que era”.
23 – Dincardi – de encardir – diz-se de uma pessoa que é fanática, gosta demais ou aprecia muito alguma coisa “gostava de bacalhau dincardi” = gostava demais de bacalhau ou era fanático por bacalhau. Também é usado para significar algo fantástico.
24 – Mô pombo – o mesmo que mô quirido. Expressões carinhosas que significam “meu querido”.
25 - Cum cara di cachorro mijando na chuva – envergonhado.
26 – Digraçado – desgraçado.
27 – Pópará – Pode parar.
28 – Mofas – esperas, cansas.
29 – Istepô – usualmente é usada para dizer que uma pessoa não vale nada. Quando usada com amigos adquire uma forma carinhosa de tratamento, para significar que a pessoa vive fazendo troça, brincadeiras.
30 - Mofas, côa pomba na balaia – (o mesmo que mofas, com a pomba no balaio) - em meados do século passado, as dietas para doentes costumavam apresentar uma sopa de carne de pombos. Os vendedores de pombos compareciam ao mercado municipal de Florianópolis para vende-los. Usavam um balaio de vime ou balaio caiçara (feito pelos índios carijós e pelos pescadores) para manter os pombos presos. A expressão “mofar côa pomba na balaia” era dita àqueles que não conseguiam vender seus pombos depois de uma manhã inteira de feira. Passou então a ser usada pelos manézinhos para expressar que “uma pessoa pode esperar a vida inteira que aquilo que deseja nunca vai acontecer”.
31 – Ajojado – caído, cabisbaixo.
32 - Dormi cos bilro na almofada – cansar de esperar.
33 – Coza – coisa
34 - Incasquitado – ficar cismado, preocupar-se.
35– Dicascando – descascando.
36 – Distraimento – distração.
37 – pópatapataio – Pó para tapar talho ou corte, nome que o manézinho dava para a “sulfa em pó”, antigamente muito usada em curativos.
38 - Dessi di langa – ganhar uma disputa com grande vantagem, levar a melhor.
39 – minervei – me enervei, fiquei nervoso, me irritei.
40 - Dá di mamá prá inchada – ficar no ócio, na preguiça, sem fazer nada. Diz-se também daquele que é preguiçoso.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

A B S O L U T O
Luiz Eduardo Caminha

Há algo,
Por mais que tente,
Entender,
Não consiga.

Algo sublime,
Maior que meu eu,
Acima de mim.

Espaço sem fronteiras,
Unidade sem limites,
Síntese do todo,
Universo sem fim,
Eterna Eternidade.

Há um Alguém,
Absoluto Maior,
Perfeição Maiúscula,
Que não compreendo,
Medroso que sou,
Que busco, admito,
Que sei , existe.

Há um vazio imenso,
Que enche espaços,
Que envolve tudo,
Absolutiza o todo.

Nele,
Deposito meu eu,
Deponho os meus,
Minha fé,
Minhas esperanças.

Há, sim, Alguém,
Que está dentro de mim,
Me ocupa, transporta,
Me envolve.
Alguém que preciso achar!
Está em mim... Eu sei!!!

terça-feira, 7 de outubro de 2008

De volta....

Queridos amigos,

após uma breve ausência motivada por uns probleminhas de saúde, aqui estou de novo, caminhando, caminhante, escrevendo, escrevente, poetanto e penitente, pedindo escusas pelo lapso de tempo destas últimas postagens.

As borboletas voltaram

Fazia muito tempo que eu não via voar uma borboleta azul. Daquelas, grandes, com dois círculos pretos nas asas como se fossem olhos a perscrutar o mundo, a natureza por onde passam. Aliás, não apenas as azuis, as amarelas, brancas e até aquelas rajadas, alaranjadas, imitando pele de onça-pintada, tão comuns, também estas, há muito que eu não as via.

Sentado na varanda de minha casa, escutando um ou outro piar de passarinhos nas árvores vizinhas, divertindo-me com o toc-toc insistente de um pica-pau de penacho, no tronco de uma antiga figueira, à cata de minúsculas presas para seu sustento, pousei os olhos no portão distante uns 30 metros. Foi de repente, como se saltasse por cima do muro, qual intrusa suspeita, ela apareceu. Uma borboleta azul. Parecia atender ao meu chamado. Veio batendo asas, saltitante, naquele vôo de sobe e desce, vai para um lado, para outro, como se num jeitoso bailado uma atleta olímpica ou, quem sabe, de uma bailarina do balé Bolshoi. Aquelas, onde fios transparentes as fazem voar pelos palcos, como se asas tivessem.

E veio voando, chegando de mansinho, alegre, faceira como menina moça a desfilar para os olhos cobiçosos de supostos pretendentes. Pousou numa folha de hibiscos amarelos. O verde, o amarelo, o azul, compunham uma aquarela pintada pelas mãos de Deus.

Ficou ali um tempo. As asas num movimento lento, delicado e continuo, de abrir e fechar, como se a ajudassem a equilibrar. É! Fazia muito tempo que meus olhos não brilhavam com imagens assim.

O piar triste de um sabiá branco me acordou do transe. Fazia, também, muito tempo que não ouvia o cantar alegre de um sabiá laranjeira. E os sabias brancos, parecem se negar a dobrar. Ficam só piando. Meus pensamentos pareceram uma provocação. Como a me dar satisfação, o sabiá branco resolveu fazer um dobrado. Cantou uma, dobrou duas vezes, dobrou de novo. Agora sim, menino! Estás cantando alegre, exclamei, em êxtase!

Voltei os olhos à borboleta azul. Lá estava. Descansando. Daqui a pouco partiria para outros vôos, outros olhares, outros lugares.

E foi aí que me veio um pensamento: Porque será que as borboletas sumiram? Não conseguia resposta, por mais que tentasse. Bem que meu jardineiro tentou convencer-me. Para ele, que aprendera tudo da profissão com o velho pai, a culpa era dos sagüís e do progresso. É uma mania que tem o pessoal antigo do interior da ilha. Tudo é culpa dos sagüis. Para eles, estes bichinhos sorrateiros, comem os filhotes dos pássaros, ainda indefesos, nos ninhos. Foram eles que espantaram toda a bicharada, os passarinhos, o macaco-prego, os bugios, as aracuãs, para a densa Mata Atlântica, ainda exuberante, em que pese a mão do homem a desferir-lhe contínuos atentados. “São uns peste, dotô!” Dizia em seu falar ligeiro dos manézinhos.

Por mais que eu tentasse argumentar o contrário, nada o convencia. Argumentei que eles não nasceram ali, foram trazidos, multiplicaram-se e tomaram seu espaço. Só comiam os passarinhos por necessidade de sobrevivência e, mesmo assim, só o faziam nas casas aonde ninguém se dispunha a alimentá-los. Não era o nosso caso. Em nossa casa eu nunca vira ou tivera notícia de um sagüi que tenha investido contra um ninho de passarinho.

De fato, os sagüis chegaram à Florianópolis pelas mãos do próprio bicho homem. Na década de 60 era moda importar, do norte, casais destes pequenos e graciosos símios. Eram dóceis, fáceis de domesticar, engraçados. Aquilo virou febre. Até eu tive um. Machinho, a quem chamava Chico, foi meu pai quem o trouxe de uma viagem à Manaus. Morreu. E sua morte foi tão triste que nunca mais quis ter outro. Contraiu uma gripe, fez uma complicação pulmonar e passou seus últimos dias com uma dificuldade atroz para respirar. Fazia carinha de sofrimento. Penso que até chorou. Morreu em minhas mãos. Agonizando, sofrendo, fazendo caretas de dor. Parecia um ser humano.

Mas eu contava da febre que foram os sagüis. Fruto de sua vida a dois, em casais, começaram a aparecer os filhotes. Era preciso aumentar o espaço. Não sabíamos, os ilhéus, os hábitos familiais desta raça. A fêmea, dona do pedaço, tem os machos a seu serviço, inclusive os procriados. Cada fêmea, oito a nove machos. Não deu mais para segurar. Começaram a soltar os bichinhos, eles ganharam as matas e conquistaram seus espaços. Como são mais domésticos, ganharam o lugar de domínio dos macacos pregos, mais ariscos e lépidos. Os bugios, ao contrário, era só fruto da má fama. Nunca estiveram próximo das casas. Sempre guardaram a devida distância. Muito mais selvagens, só eram vistos em bandos, bem dentro da mata. Às vezes, em alguns lugares, se ouviam seus gritos, bem longe.

Pois daí, a culpar os sagüis pela ausência das borboletas, era apenas uma cisma. Talvez para justificar a sana de alguns que adoravam dar pilotadas nos bichinhos, munidos de funda, ou estilingue, como queiram. Havia mais uma incompatibilidade na história que meu jardineiro contava. Os passarinhos, em muitas casas da ilha, tinham voltado ao convívio das famílias que lhes ofereciam alimentos, dispostos em comedouros colocados nos quintais e jardins. Mas, falava alto a segunda hipótese do jardineiro: o progresso. A chegada do homem, com suas casas, destruindo a mata daqueles cerca de 500 metros que separam os morros da ilha de sua orla marítima ou lacustre.

Isto entretanto, não explicava, de todo, a ausência das borboletas. Afinal, muita mata ainda havia. Porque elas não estavam lá? E se estivessem, porque, volta e meia, não vinham para as casas voando fagueiras?

Já que o jardineiro continuava a argumentar contra os sagüis, fiz uma provocação. Chamei sua atenção para a constante presença destes bichinhos nos fundos de nosso quintal. “Sim, o dotô i sua muié vivi dandu comida pra elis!”, foi sua resposta em franco manezês. Foi aí que apontei para a borboleta azul. Ele se espantou . Correu a me explicar que estes bichos traziam sorte para a casa que visitavam. Palavras de seu velho e experiente pai. Alguma coisa de bom, que iria trazer muita alegria deveria, segundo ele, acontecer.

Era fim de tarde. Um bando de gralhas voltava de sua jornada diária fazendo aquela algazarra. A borboleta azul alçou vôo e se foi. Visitar outros lugares. Levar sorte para outras casas. Graciosa, saltitando no ar, tal qual chegara.

Naquela noite pensei muito sobre o que meu jardineiro havia falado. Dia seguinte, acordei bem cedo. Uma raridade para um ser notívago como eu. Algo, no entanto, me chamava a acordar. O sol estava ainda a se espreguiçar. Seus raios matinais pareciam plêiades de braços tentando agarrar as árvores. O céu azul límpido prometia um lindo dia. Um bando de andorinhas sobrevoava o telhado alto do quarto de minha filha. E foi aí que vi. Muitas. Dezenas de borboletas amarelas e brancas. Daquelas pequenas que vivem em bandos. Sobrevoavam elegantes as folhagens baixas do jardim. Em Ratones, pensei, as borboletas são madrugadeiras. Estão aí! Será? Será que sou eu quem tem perdido a oportunidade de vê-las todas as manhãs?

Canários, rolinhas, tico-ticos, ferreirinhas e bico-de-lacres partilhavam, num gorjear contínuo, os comedouros. Um bando de tirivas passou ao alto, enchendo o ar com o som de seu palrar. O toc-toc frenético do pica-pau continuava. Até meus ocasionais visitantes, um casal de papagaios, se fez presente neste dia. A natureza parecia em festa. Fiquei feliz. Fazia tempo que não me sentia tão alegre. Aí pensei: seria a tal sorte, trazida pela borboleta azul? E o sumiço das borboletas?

Nem sei! Sei apenas que voltaram. Prenúncio, quem sabe, da primavera. Bem, os sagüis? Continuam por lá, serelepes e faceiros. Como toda a bicharada.

Luiz Eduardo Caminha,

Ratones, Florianópolis, 20.09.2008