Quem é o maior?
“Tu és pó e ao pó tornarás” (Gênesis 3,19)
1978. Manchete: Descaso do governo na saúde. Médicos em greve. Eu fazia especialização no Rio de Janeiro e era do comando de greve. Reuniões infindáveis, discussões, negociações, assembléias. Os militares ameaçavam de urutus e o Exército, armas em punho, nos sitiava na Assembléia do Rio. Clima de guerrilha. Ao fim, algumas migalhas concedidas. Voltamos ao trabalho. Vitória de Pirro! Trinta e seis dias por quase nada.
Dias após, os lixeiros. Fedor de lixo acumulado nas calçadas, enxames de moscas toldando o céu. Uma semana. Tudo resolvido. O caos sanitário fez o Governo Municipal aceitar a maioria das reivindicações dos grevistas.
Vieram os motoristas de ônibus, profissional odiado pelos cariocas que os tinha como a escória. Gastei nove horas para fazer um trecho de quarenta minutos, de Vila Isabel ao Hospital, em Ipanema. Tudo engarrafado, buzinaço ensurdecedor. Doze horas de greve. O caos urbano elevou os motoristas à condição de gente. As empresas cederam a todas as reivindicações.
Qual destas categorias foi a maior? À luz da escala de valores estabelecida pelo status e por uma sociedade vítima do materialismo, a mais insignificante delas: os motoristas, seguida dos lixeiros e, por fim, nós, médicos. Uma inversão dos pés à cabeça.
Pode-se analisar estes episódios sob duas óticas: a paulina, inspirada provavelmente na milenar sabedoria dos vedas hindus: “o olho não pode dizer à mão: não preciso de ti. Nem a cabeça dizer aos pés: não necessito de vós. O corpo é um todo com muitos membros. Numa comunidade cada membro tem a sua função e todos formam um corpo cuja cabeça é o Cristo”, explica São Paulo. A outra visão é do próprio Mestre: “quem quiser ser o primeiro, seja o último, o servo de todos. Aquele que se tornar pequenino como uma criancinha, este será o maior... Quem se exalta será humilhado e quem for humilde será exaltado”.
Orgulho-me de ser médico. Minorar o sofrimento alheio e salvar vidas é função dignificante ante Deus e a sociedade. Mas, numa comunidade , não só o médico é importante. Todos o são. Costumo dizer: nascemos igualmente nus e ao morrermos, sejamos reis ou súditos, as minhocas comerão nossa carne. O importante é cada qual exercer sua função com humildade, visando o todo, a comunidade.
Bem diferente de alguns apaniguados do poder: a soberba os faz esquecer a comunidade a quem deveriam servir. Deus é quem está à sua direita. E o que vale é locupletar-se. Mateus, primeiro os meus! Quem tem ouvidos para ouvir que ouça.
Luiz Eduardo Caminha
Distrito de Ratones,
Florianópolis, 27.08.2009
caminha, caminhando, poetando, vivendo como Deus me permite viver. É assim que vou. É desse jeito que sou. E aqui vão: notícias mensagens, poesias, crônicas, artigos, enfim, tudo que gosto e sou, parte dos caminhos que este caminhante procura seguir. Apenas isto!
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Olá Caminha, muito boa esta tua crônica pois nos faz mesmo refletir.
ResponderExcluircom carinho
Sueli
"Costumo dizer: nascemos igualmente nus e ao morrermos, sejamos reis ou súditos, as minhocas comerão nossa carne."
ResponderExcluirA questão, Luiz, é que entre o nascimento e as minhocas, muitos adotam a soberba e a ganância como padrão de vida. Estragam não só muitas vidas, mas ao planeta inteiro.
Forte abraço.
Greve numa metrópole. Sei bem o que é isso. Vivi várias em sampa (a do metrô é sempre a PIOR). Mas o tema central é outro: a inversão de valores. E como tal, nossos "eleitos" já se tornaram "doutores" nesse segmento.
ResponderExcluirÉ o fim dos tempos, a peneira, o funil do Homem.
Pena que espaço seja tão pequeno pra escrever...
Caminha, sempre caminhando (coisa boa isso!)
beijos
Caminha, continuamos trabalhando com o que nos oferecem, mas com muito AMOR por aquilo que fazemos. Um Grande Abraço. Gilberto
ResponderExcluirObrigado Amigos Sueli, Caio, Fátima, Gilberto e todos os outros que deram um tempo para brindar-me com sua leitura e reflexão.
ResponderExcluirQue Deus os abençoe sempre,
Caminha
SHOW!!!
ResponderExcluirSueli.