caminha, caminhando, poetando, vivendo como Deus me permite viver. É assim que vou. É desse jeito que sou. E aqui vão: notícias mensagens, poesias, crônicas, artigos, enfim, tudo que gosto e sou, parte dos caminhos que este caminhante procura seguir. Apenas isto!

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Crônica

Depois de 3 meses de marchas e contramarchas com meu probleminhas de saúde (desta vez a anemia foi severa e nem conseguia concatenar as ideias), sinto-me um pouco melhor e ouso recomeçar umas “escrevinhadas”.
Segue, então, mais uma de minhas crônicas.

Desculpem a ausência. E me aturem! Estou começando a voltar. Devagarito como enterro de viúva rica.


Sobre a hipocrisia e a verdade

"De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto”.
Rui Barbosa.


22 de Abril de 2009. Assisto mais dois episódios da comédia chamada Brasil. O bate-boca no Supremo Tribunal Federal e no Congresso. Na Câmara Federal o episódio toma tons de picardia. O chamado baixo clero, agora com alguns aliados do alto clericalismo se digladiam por causa da “farra das passagens aéreas”. Mas o pitoresco Vossa Excelência é que dá o tom. Vossa Excelência prá lá, Vossa Excelência pra cá. Jogo de oratória, briga de terreiro ou rinha de galo? Sei não!!!.

Culpa do português, a nossa língua, última flor do lácio, cheia de sutilezas e nuances, hoje com a nova roupagem da reforma ortográfica. Em que pese esta “débâcle” ultrajante do nosso modo de escrever, a prática oral continua a mesma. Máscaras e vernizes denotam a hipocrisia do palavreado de efeito, cheio de firulas, de construções fricotadas que tentam atenuar a única obsessiva verdade: o que se diz não é bem o que se quer dizer, Vossas Excelências que não se ofendam.

Tentam esconder o que não se pode mitigar. Amo nossa língua. Nela, o branco não é bem branco é, quiçá, perdoem-me Excelências, uma pálida ausência de cor. O preto não é bem preto, nem negro, é um afro desiderato dos tempos modernos onde proferir uma verdade parece ofender e ser real, uma afronta. E por aí vão as excelências e hipocrisias como se falar a sério, defender o justo, ser honesto, íntegro e ético, fosse coisa de encrenqueiros, mal humorados e radicais. É seu Rui, começo a ter vergonha de ser assim. No tempo de minha avó, “Excelências” era uma oração cantada em dias de tempestades, raios e trovoadas. Para espantá-las. Hoje é um requinte lingüístico para doirar a hipocrisia.

Vejamos algumas destas idiossincrasias do vernáculo. Antigamente, homem que se deixava sodomizar por outro homem era bicha mesmo, frutinha ou, sem usar a finesse que os hipócritas de hoje exigem, viado. Viado sim, com i. Porque veado era aquele bicho cheio de galhos na cabeça. A nova norma é chamá-los homossexuais ou, importando a macaquice, “gays”. Posso até levar um processo por causa disso. Sei lá! Chamar quem é traído de corno, chifrudo, nem pensar. Melhor dizer, pessoa que usa enfeites na cabeça. Mulheres praticantes do baixo meretrício, as meretrizes, não são mais putas, são profissionais do sexo. Os dicionários que tirem este verbete de sua lista.

Nesta nova versão do português hipócrita, em substuição ao casto, não se pode mais chamar ninguém de mentiroso. Mesmo que este seja o maior de todos. O correto, agora, é dizer: Vossa Excelência me respeite! Vossa Excelência está faltando com a verdade. Como se faltar com a verdade não fosse o mesmo que mentira.

Ladrão, não é mais ladrão. Ainda mais se for da alta sociedade. Ladrão agora não é mais criminoso. Afinal ele só furta ou subtrai um bem ou bens de outrem. Bem feito!

Ética, então, nem falar. O que fizeram dela, da Moral, do decoro, temas tão estudados por filósofos como Platão, Aristóteles, Hipócrates? Isto para não apelarmos para o próprio Filho de Deus, Jesus Cristo ou para Francisco de Assis, Lutero, Ghandi, Martim Luther, entre outros que pregaram a respeito. Hoje, nada mais são que práticas em extinção ou, na melhor das hipóteses, fugindo deste veredito, soam à gozação, baboseira, ingenuidade.

É, a coisa está feia. Ou melhor, despida de beleza, Vossa Excelência que me perdoe. Parece que os sentidos despertaram para a prática do reino da mentira, da falsidade, da cupidez, da imoralidade, da vergonha. O mundo virou. De ponta-cabeça. Os ianques, começando pelos “cow-boys” Reagan e Busch Pai mataram Brentwood e a mentira americana do consumo vai gerar 4,1 trilhão de dólares de prejuízo. Dinheiro? Que nada! Papéis! Títulos! Até o Bispo Fernado Lugo, enquanto padre, confessa ter tido um filho. Já são seis! Opash assume um filho de Raji fora do casamento e Maya está grávida de um Dalit. A Globo corrompendo os costumes hindus. Ainda tem alguma coisa de pé? Tem sim. A mentira ou, data vênia, a falta com a verdade.

Porém, nem tudo está perdido. De onde menos se espera vem a solução. Aquela parcela da classe política que domina estes meandros, a turma do baixo clero, dá um drible no português, na verdade, nesta coisa “démodé” e edita uma nova reforma. A receita? Antepor a cada verdade, a cada princípio moral, a cada enunciado ético, a cada palavra ou palavrão algumas magníficas e eloqüentes figuras de linguagem que conferem uma nova farda polida e cortez – embora hipócrita – ao discurso. Simples.

Alguns exemplos: use sistematicamente os termos Vossa Excelência, Vossa Senhoria, digníssimo senhor, eminente senhora, honroso cidadão e por aí vai. Antes de deitar palavrão, xingar, avacalhar, ou coisa pior tente o charmoso “data vênia” ou “com a devida vênia”. Ô, coisa linda que fica! Coisa de lordes ingleses. Experimente. Sim porque, agora, está definitivamente decidido: Só se pode dizer verdades, soltar palavrão, xingar, ou usar de termos diretos, na veia, se recorrermos a estes adornos retóricos.

Aliás o modelo já fez escola, haja vista o imbróglio do Supremo. “Lex sed lex”. Pois, façamos o mesmo. Quando quisermos, por exemplo, dizer que um determinado humanóide é um filho de uma prostituta, digamos: Com a devida vênia à digníssima senhora sua genitora, Vossa Senhoria é um eminente f.d.p. (com todas as onze letras), ou quem sabe, Vossa Excelência me perdoe, o nobre e eminente colega é um grandessíssimo e digníssimo filho da puta.

Nunca é tarde lembrar que a forma mais contusa ainda faz gênero, desde que se disfarce como o matuto mineiro, que para dizer a mesma coisa, pergunta ao incauto: “Ocê num é fio da Candinha? Cumi muuunto a sinhora sua mãe!” Sou mais o matuto. Rui Barbosa tinha razão. Tenho dito.

Luiz Eduardo Caminha, Ratones, Floripa, 23.04.2009