caminha, caminhando, poetando, vivendo como Deus me permite viver. É assim que vou. É desse jeito que sou. E aqui vão: notícias mensagens, poesias, crônicas, artigos, enfim, tudo que gosto e sou, parte dos caminhos que este caminhante procura seguir. Apenas isto!

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Nossa Mensagem de Natal


Naquele ano, cerca de 2000 anos atrás, numa acanhada gruta, nasceu um menino. Não foi o jeito, nem o local que seus pais planejaram para recebê-lo. Mas, aquele menino tinha que ser contado, marcado. Era o Censo dos homens. Convocado pelo César, o Augusto Soberano, um deus para os romanos que, na época, dominavam quase toda a extensão geográfica que se conhecia como mundo. Um menino, Filho Único do Deus Uno. Um Deus, sendo contado; como gado.

Hospedar-se numa gruta não era incomum para os judeus, acostumados a viver em casas simples, tendas ou mesmo grutas. Mas, José e Maria, seus pais, imaginavam, na sua humildade, algo mais nobre para aquele que Gabriel anunciara como o futuro Messias das escrituras. Os cueros mal o agasalhavam do frio invernal, as palhas onde deitavam os animais serviram-lhe de colchão daquela manjedoura. Nem uma parteira havia. Nasceu como os animaizinhos, os pobres, os deserdados. Recebeu visitas sim, de pastores, ovelhas e nobres; também. Os Reis do Oriente. Uma estrela alumiava o local e um coro de anjos entoava: “Gloria in excelsis Deum”.

Aquele Menino cresceu, como outros meninos. Brincou, como outros tantos. Pulou, subiu em muros, árvores, correu, caiu, ralou-se, como os outros meninos de sua pequena vila. E, adulto, virou Mestre. Dizia: “tive fome e não me destes de comer; tive sede e não me destes de beber; era peregrino e não me acolhestes; nu e não me vestistes; enfermo e na prisão e não me visitastes”.

Dois mil anos… e o mundo ainda não conhece este Menino. Ou, se uns o conhecem, muitos o ignoram. Suas lições são dribladas pela hipocrisia, a inveja, o ódio.

Ainda hoje nascem meninos. Abandonados; na miséria, nus. Ainda hoje são contados como gado; marcados. Ainda hoje eles crescem. Brincam como meninos. Mas logo cedo, marginalizados, transformam-se e assumem a face perversa da humanidade que os desprezou. E voltam-se contra ela.

Ainda hoje, meninos feitos homens maltratam, matam, odeiam, fazem guerras, corrompem e são corrompidos, agridem a natureza, correm alucinados atrás de bezerros de ouro, do dinheiro. Matam por ele. Se não matam, locupletam-se às custas do suor e da miséria dos outros. Titãs dum Olimpo transformado em “Wall Streets”. E como titãs travam batalhas pelo capital, o lucro a ganância, o poder. Que lhes importa os homens? Pobres criaturas.

Natal não deveria ser momento para este tipo de reflexões. São pesadas, duras, agridem, ofendem. Mas enquanto muitos gargalham e brindam ao espocar de fogos, aos hinos, aos Papais Noéis do consumo, outros sofrem, estão com fome, sede, são peregrinos; estão nus; enfermos, na prisão… E choram as dores do abandono.

É!!! Os homens ainda não conhecem este Menino!

Que neste Natal possamos refletir esta realidade e que a paz, a concórdia, a fé, a fraternidade, o Amor, sejam a agenda de nosso Novo Ano. Que este Menino Deus nos permita encontrá-lo nos homens e contá-los como irmãos.

Feliz Natal e um Ano Novo repleto de amor, saúde, paz e bênçãos do Senhor.

São os votos de

Luiz Eduardo Caminha e Família.

Florianópolis, Distrito (In)dependente de Ratones, Natal 2011

sábado, 8 de outubro de 2011

AMIGOS

NOTA PRÉVIA: Este texto eu o escrevi há alguns anos atrás quando um grande amigo recebeu uma rasteira de um outro “suposto amigo” , desses que se aproximam apenas por interesse. Este meu amigo entrou em depressão. Recolheu-se como uma libélula que adentra ao casulo, como um velho urso em hibernação. Ao visitá-lo, sua tristeza foi, para mim, um choque. Perdera completamente a alegria. Ao falar, seus olhos, volta e meia enchiam-se de lágrimas. Prestei-lhe minha solidariedade alicerçada numa amizade de muitos anos que, graças a Deus, permanece até hoje. Enviei-lhe o texto, outros amigos se achegaram para emprestar seus ombros, servir-lhe como bengalas e, aos poucos, ele se recuperou. Não sem, entretanto, sentir marcada em seu coração a cicatriz daquela traição. Seu olhar alegre, até hoje, para quem o conhece há anos, ainda guarda uma tênue nuvem daquele triste episódio.

Como recentemente passei por uma experiência quase que semelhante, achei oportuno publicar o texto. E o faço em homenagem aqueles que são meus verdadeiros amigos. Aqueles que me depositaram sua solidariedade e os que a mim se ombrearam. Para que reflitam e celebrem comigo a amizade. Mas faço-o também para aqueles que se dizem "ser amigos", que estão amigos por conveniências. Para que fiquem alertas. Nós parecemos, mas não somos tolos. Um dia, cedo ou tarde, acabamos descobrindo a que vieram.

Que Deus abençoe os meus amigos e perdoe aqueles que se dizem ser.


A M I G O S

"Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos"(Evangelho segundo João 15,13)


Amigos?

Eu os divido em dois grupos : aqueles que estão e os que são.

Os que estão, são aqueles que se aproximam da gente, ocupam espaços, empatam nosso tempo, estão sempre presentes, a todo o momento. Parecem querer respirar o nosso ar, roubar nossos espaços, ocupar nosso lugar.

A princípio nos encantam, temos a sensação que vêem para render nosso cansaço. Estão, aparentemente, disponíveis para tudo.

Às vezes, passam rapidamente por nossas vidas, outras vezes, permanecem por um tempo maior, confundem-se até com nossos parentes, nossos filhos, nossa família. Sua disponibilidade parece-nos infinita. Assemelham-se a flores perenes, a frutos de quatro estações.

O tempo passa, as flores murcham, o tempo de colheita se vai. Aí, então, começamos a notar que, na verdade, são apenas amigos temporários. Estão amigos porque algo de interessante, em nós, muito lhes interessa.

Praticam, conosco, um verdadeiro comércio. Não apenas no sentido amplo da palavra. Mas até no estrito senso da mais pura relação comercial.

A nós, cabe-nos entrar com nosso coração, nossas paixões, nossas emoções. O produto que lhes interessa é nossa própria vida, nosso jeito de ser, nossa alegria, nossa espontaneidade. Como adorno deste produto, e para valorizá-lo, ainda nos tomam a fé que nos move, nossa esperança e bondade. Enfim, as qualidades que nos tornam especiais e, comercialmente atraentes.

A eles, cabe como moeda, como pagamento, o seu tempo, como que um extrator a sugar-nos a energia de que dispomos. E a sugam quase toda, na medida em que nossa companhia, nosso produto, pareça-lhes interessante, para projetá-los, para que brilhem ou apareçam.

E assim o é. Quando aquele produto, um simples objeto, já não mais lhes interessa, começam a mostrar seu lado egoísta, seus egocentrismos. Pensam nos usar antes de jogar-nos de lado. Acham que tudo podem, até mesmo subjugar-nos as suas vontades, seus prazeres, a sua inabalável necessidade vocacional de subir ao pódium, nem que para isto, tenhamos que ser transformados em seus degraus, seus trampolins.

São compulsivamente racionais. Calculam tudo, passo por passo. Só a razão lhes impulsiona. As emoções, o coração, são, para eles, coisas de trouxas, de fracos. Mal sabem que aí está nossa fonte de energia, nossa mola propulsora.

A rigor, não deveriam ser chamados “amigos”. Amigo é uma palavra forte, comprometedora. Deriva do latim, do verbo “amare” (amar),significa benévolo; propício; aliado confederado; aprazível; deleitoso; querido; amado. Entretanto, durante o tempo em que estão a usufruir nossas energias, nossa companhia, são tão envolventes e cativantes que, em nossa inocência, dedicamos-lhes todos estes significados e, realmente, chegamos ao ponto de amá-los, de confundí-los e colocá-los no rol de nossos diletos amigos.

Sua lei maior é a individualidade … o seu ego, temperado pela inveja do que somos .

Já os que são amigos, são aqueles que, como nós, têm o coração como porta de entrada. Recebem-nos pela cozinha, o coração de suas casas. São impulsionados pelo sentimento da fraternidade, este dom que Deus usou, para marcar os especiais, como se tange o gado, a fim de mostrar ao mundo, que existem irmãos.

Estes são aqueles que ocupam nossas vidas, no devido espaço de tempo e lugar, respeitando os seus e os nossos limites. São discretos, humildes, pacientes, mas sempre alegres, esfusiantes. Transformam-se, entretanto, em verdadeiras feras, quando alguém ousa tocar-nos, ou sequer, tenta manchar nossa imagem.

De maneira geral, são seres que o sabemos, com eles poder contar, principalmente, naquelas horas difíceis, nos momentos em que as energias estão quase se exaurindo.

Aliás, são aqueles que se põem em nossas vidas com seus ombros ou como bengalas, prontos para suportar nosso choro, nossas lamúrias. Não nos deixam cair. Caem conosco, para ajudar na hora de levantarmos.

A diferença entre estes dois tipos de amigos, só a sentimos nas horas amargas, naqueles momentos em que nosso coração está partido, nossa estima está em baixa.

Aqueles que estão amigos, nestas horas, não o são. Ao contrário, os que são amigos, nestas horas, sempre estão… conosco, custe o que custar, doe a quem doer. Basta-nos, para isto, um aceno ou deixá-los perceber nosso desejo de tê-los por perto.

São presentes na dor e na alegria, no abraço e na saudade. São os que, às vezes, pensamos ausentes, mas na hora H, no momento certo, sem menos esperarmos, se fazem presentes, sem trocas, sem comércio.

Sua lei maior é a solidariedade.

O tempo passa, as flores murcham, os frutos se vão, mas eles estão ali, esperando o inverno passar para, novamente, ser flor, fruto e semente, em nossas vidas.

Com quem ficar? A quem escolher? Depende de nós!!!

Eu, particularmente, prefiro os que são meus amigos, mesmo que saiba não poder estar com eles, a cada minuto, porque, também eles, têm suas próprias vidas, seus próprios problemas, suas aflições. Sei, entretanto, no fundo de meu coração, que me são eternos e as suas vidas, os seus problemas, as aflições, as alegrias, se fundem com as minhas, como se cada um destes sentimentos, destas emoções, fosse parte de nós mesmos e a todos pertencessem.

E os prefiro porque, aqueles que estão amigos, mesmo que queiram a todo minuto ocupar meu tempo, seu próprio tempo lhes é efêmero, breve, como a pluma que o vento sopra, voa alto, mas há de cair. Como a gota de orvalho, que brilha sobre a flor e, depois da queda, pelo chão se esvai.

Prefiro os que são, sem dúvida, porque os que estão, sinceramente, já não tenho mais paciência para aturá-los.

Com os que são crio uma dívida eterna, que faço questão de ter e jamais poderei pagar. Sei que nunca me cobrarão nada porque, certamente, de mim também são devedores e sabem, nunca irei cobrá-los. Nossa moeda de troca é a amizade. Aquilo que vai em nosso coração.

Os que estão amigos, nada lhes devo. Como relação comercial, já os paguei e deles, recebí o pagamento devido. Já lhes passei recibo, quitado.

Os que estão amigos, terminam ou vivem suas vidas sózinhos, abandonados. Restam-lhes apenas o seu eu.

Já os que são amigos, terminam ou vivem suas vidas, cercados de gente, nem que seja uma só gente, para dividir, juntos, esta festa que é a vida.

Luiz Eduardo Caminha

Florianópolis,

Distrito (In)dependente de Ratones, 31.08.2007. Revisado em 24.10.2008

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

stmt.com.br - O Perdão



Amigos,

Hoje me deu vontade de meditar um pouco sobre o perdão. Se gostarem e puderem compartilhar, eu agradeço. Ficaria mais feliz ainda se comentassem


quinta-feira, 28 de julho de 2011

Ausência

Ausência


Mesmo que por breve instante,

Fiquei, sim, ausente,

Mas não tanto que não me lembrasse,

A mente, a necessidade de voltar.


Uma intercorrência passageira,

Uma falha cibernética ligeira,

Lá sumi, eu, como nuvem,

Levada pela ventania além.


Tempo curto. Suficiente para entender

Faço parte d’uma corrente virtual real,

Pessoas-elos que se completam,

Compartilham um desejo: encontrar-se.


É bom perceber que vivemos,

Mesmo que atrás de máquinas,

Cujos cabos, nuvens, não conseguem

Esconder que respiramos emoções.


Estamos conseguindo. Vencendo!

Ultrapassamos a tecnologia;

Fazemo-nos presença imaterial

Repletos de sentimentos reais.


Não, eu não sou um avatar.

...Apenas voltei!


Luiz Eduardo Caminha

Florianópolis,

Distrito (In)dependente de Ratones, 27.07.2011

segunda-feira, 11 de julho de 2011

OUTONO

O compasso da vida
Me abre os olhos,
A bruma cobre,
Densa, silente,
O leito do rio,
A roupagem da mata.

A brisa fresca da manhã,
Faz a pele aquecida,
Contrastar com a natureza,
O calor do corpo, da noite.

A vida,
Parte deste ar outonal,
Desperta alegre,
Aos primeiros raios,
Do astro rei.

Num cochilo do tempo,
De repente,
Como se um hiato houvesse,
A névoa some,
A mata descortina seu verde,
É manhã.

O céu azul límpido,
Perpassa à bicharada,
A onda cálida,
Do novo dia.

A sinfônica dos pássaros,
A voz dos bichos,
A melodia das águas,
Serpenteando a corrida do rio,
Misturam-se ao som,
Barulho da cidade.

O tempo passa,
A tribo humana,
Segue seu passo.
A natureza aguarda,
Como mágica,
A volta do crepúsculo,
O sumir do novo dia.


Luiz Eduardo Caminha,
Ratones, em 11.07.2011

terça-feira, 31 de maio de 2011

stmt.com.br - 1,5 MILHÃO DE VISITAS

Amigos,

Participem e divulguem o Concurso "1,5 milhão de Visitas" de meu Site Stammtisch, Confrarias e Patotas e ganhe prêmios. Confira no link abaixo e Boa Sorte!:

stmt.com.br - 1,5 MILHÃO DE VISITAS


Que Deus os abençoe,

Caminha

sexta-feira, 1 de abril de 2011

domingo, 13 de março de 2011

Amizade

Uma estrada que acaba,

Num ponto do horizonte.

Um cais que finda, no infinito

Que é mar,

Um feixe doirado refletido. Do sol.

No oceano sem fim,

Uma canoa, um pescador. Solitários,

Solidários navegam.



Como guia o feixe prateado.

Da lua,

O luar.



Tudo, tudo é infinitude,

Tudo, tudo leva. (Todos).

A algum ponto. Distante.

Horizonte de esperança.



Um fio, como se fosse de espada,

Conduz, passo a passo.

Qual equilibrista,

Na corda de arame.



Certeza mesmo, uma só.

Haverá lá no fim,

Alguém.

Um amigo,

Um abraço,

Um ombro,

Um teto a nos colher.



Amizade.
Um meio?

Um fim.


Luiz Eduardo Caminha

Florianópolis, Distrito (In)dependente de Ratones, 16.01.2011.

sábado, 22 de janeiro de 2011

O trem*

Luiz Eduardo Caminha



O trem passava em nossas vidas como se preenchesse nossos sonhos infantis de viagens. Bléim! Bléim! Bléim! O coração pulava na boca com a emoção transmitida pelo som das badaladas do motorneiro...

Leia aqui "O Trem", conto classificado entre os 100 melhores contos curtos do PRÊMIO LITERÁRIO CIDADE DE PORTO SEGURO DE CONTOS CURTOS - Edição 2010

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

A lenda de Iaraguaçu*

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Iaraguaçu, grande mãe d’água, era uma velha índia da aldeia Mbyá, do tronco Guarani-karijós, que habitava a ilha de Santa Catarina nos séculos XVI a XVIII, quando o homem branco chegou. Sua tribo descendia dos últimos sete casais fugitivos dos brancos invasores que massacraram a maioria dos Guaranis-karijós da Ilha da Magia. Antes, os casais refugiaram-se no sul da ilha, donde atravessaram para a Praia da Pinheira. Ali, permaneceram apenas um verão, temerosos de novos massacres. Foram para o Morro dos Cavalos. Anos mais tarde, seus pais e parentes migraram para o local onde vivia. Eram pescadores e não podiam viver longe das águas. Dela tiravam seu sustento em canoas de um pau só de garapuvu. Assentaram-se, ainda na segunda metade do século XVII, às margens da Lagoa de Fora, como chamavam a Lagoa de Santo Antônio onde, na margem oposta, crescera a Vila de Laguna.

Iara, como gostava que a chamassem, vivia numa choupana de paus e telhado de folhas de Indayá, uma palmeira da região. Desde pequena tinha visões que prenunciavam coisas boas ou ruins. Na tribo, estas atribuições eram próprias dos Pajés, mas muitos de seus “irmãos da terra” - como ela chamava os índios – dela se valiam. Também era dada a práticas medicinais e até caciques vinham atrás de seu conhecimento sobre as ervas.

Era o ano de 1838. Sua idade era desconhecida, mas os fatos que narrava ter vivido, como a fundação de Laguna em 1776, supunham que beirava os 75 anos. Sua vida resumia-se aos arredores da choupana e, boa parte do dia, em torno de um fogão de barro construído por um de seus netos. Curava muita gente, dava muitos conselhos e mesmo as autoridades de Laguna e as famílias de posse, de vez em quando, a ela recorriam. Afirmavam que, além das curas, ela mudara a vida de muita gente com seus aconselhamentos e adivinhações.

Ainda menina, fora levada pela mãe para servir a uma família da Vila, mas não sabia viver longe da liberdade da mata. Quase nada fazia que fosse costume dos brancos. Sua Senhora, uma mulher má, surrava-lhe com açoites e com uma espalmadeira “pra aprender as coisas”, como dizia.

Um dia, já moça feita, depois de inúmeras tentativas de fuga, fora mandada embora. A mãe já não vivia mais. Havia morrido de fraqueza nos pulmões, doença trazida pelos brancos. A maioria da aldeia havia deixado o lugar.

Iara foi catequizada aos 30 anos e aprendeu malmente a língua dos brancos misturando palavras com o tupi-guaraní. Era assim que falava com as pessoas que a procuravam. A todos atendia e transmitia sua paz interior, fruto das bênçãos de Nhanderú-etê, o Deus Verdadeiro, em quem acreditava.

Vivia com o neto, um cachorro velho e uma formosa águia cinzenta que ela mesma amestrara. Os moradores de Laguna já haviam se acostumado com sua presença soberana e solitária nos céus. Sempre que ela aparecia com seus estridentes trinados, alguma coisa estava por acontecer. Diziam que era Iaraguaçú que a enviava para lhes avisar. Era corrente a crença: quando a águia de Iaraguaçú plainava silente era época de calmaria e peixe em abundância, mas quando aparecia gritando e fazendo voos rasantes, um tempo ruim estava por vir. Era melhor guardar os animais, não sair para o mar e recolherem-se em suas casas, “prá modo de mal algum assussedê”, como diziam os matutos pescadores. Era dito e feito. Quando alguém desafiava o aviso, alguma tragédia acontecia. Barcos que soçobravam, pessoas que adoeciam – e até faleciam – vítimas de uma molha de chuva, gado que morria por ter ficado fora dos potreiros, enfim, o melhor era se precaver.

Uma das protegidas de Iaraguaçú era Aninha, a quem chamava kunhataí, filha do tropeiro Bentão. Fora Iara quem prevenira Aninha que seu casamento, arranjado pela mãe, com o sapateiro da cidade, não vingaria. Também previra que Aninha iria esposar um aventureiro de outras terras, vindo do mar, um valente que viria junto com a guerra que aconteceria no sul do Brasil e que tentaria criar em Laguna uma outra nação, a República Juliana. Tudo acontecera como dissera. Até a doença do pai, também vítima dos pulmões, quando tomara uma chuvarada no alto da Serra do Dose, assim escrita, com “esse”, em virtude de um estalajadeiro italiano da família Dose que vivia no sopé da escarpada montanha. O pai não aguentara e, como previra Iara, atravessara “manõ yvy ugwa” - o vale da morte, para se juntar a Nhanderú-etê.

Aninha não dava um passo sem consultar a velha índia. Muitas vezes, quando algo lhe afligia, era a própria águia que pousava num galho alto de um garapuvu, perto de sua casa, emitindo trinados peculiares, sinal de que a índia queria lhe falar.

Por isso, Aninha muito chorou quando a velha amiga partiu. Teve um estranho pressentimento naquela manhã, ao ver a chuva incomum com raios e trovões como se fosse uma chuvada de verão.

De repente, o sol se abriu, o vento parou e um duplo arco-íris, que ia em direção à Lagoa de Fora, apareceu no céu.

A passarada, que já vinha se ocupando do acasalamento, no leva e trás de palhas e raminhos para os ninhos, parecia ter sido convocada por um Ser Supremo para uma revoada conjunta. O barulho dos pardais, tico-ticos, sabiás laranjeiras, coleirinhas e dos sanhaçus azuis, se misturavam com o gorjeio das pombas rolas e com o grito agudo dos gaviões. Uma Sinfonia da Natureza. Todos os pássaros seguiam o mesmo rumo, em direção ao final do arco-íris. Nas ruas, cavalos relinchavam como se pressentissem um predador. Cães ladravam. Não um latido comum. Uivavam como se estivessem a sofrer, a chorar.

Foram três minutos daquela algaravia. E uma calada se fez. Um grito agudo, da águia cinzenta que voava acima de tudo, rompeu o silêncio. A atenção se voltou para os lados da Lagoa de Fora.

A notícia correu pela Vila como o vento gelado vindo do Sul. Era trazida por “pena-esvoaçante” o pequeno indiozinho carijó, o neto que vivia com Iaraguaçu.

~ Mãe Iara suspirou! Foi pra terra de seus pais! Seu espírito viaja pra encontrar “Nhanderú etê”.

Aninha montou seu cavalo assim mesmo, no pelo, sem perder tempo de encilhá-lo. Disparou em cavalgada para as bandas de onde, à beira da laguna, jazia no leito de palha, o corpo da amiga. Chorava pelo caminho. Suas lágrimas escorriam pelo rosto e embaçavam-lhe a visão.

Não foi só Aninha a única que para lá se dirigiu. A cidade quase se esvaziara para reverenciar a velha índia. Até o Vigário se abalou, em uma charrete, para lá estar. Embora guardasse alguma ligação com aquela espécie de ocultismo dos silvícolas, ele não tinha dúvidas, ali, naquele corpo, habitara um Anjo. Não! Iaraguaçu não era uma bruxa como insistiam alguns poucos maldizentes. Seu Deus era o mesmo Deus da Cristandade. Quando fazia uma prece a “Nhanderú etê”, estava orando ao Deus Verdadeiro dos cristãos. Quando rogava a “Nhanderu ra'y”, o filho de Nhanderú etê”, era a Jesus Cristo que evocava. Por isso, e por ser batizada, merecia um enterro cristão, no Cemitério da Vila.

Mas, estas vãs preocupações eram desnecessárias. Iara tinha um testamento. Queria um enterro cristão, mas também, de acordo com a tradição tupi-guarany, ser enterrada no Campo dos Espíritos, aonde muitos de sua tribo jaziam em paz. Manifestou ainda em vida, o desejo de ter os serviços funerais de um padre, mas queria que seus restos repousassem com sua gente.

Aninha estava desolada, mas ao mesmo tempo resignada. Embora triste, ficou ali, velando aquele corpo cuja alma, cujo espírito, já estava no lugar que a vida eterna lhe reservara. Um lugar diferente da choupana humilde e pobre que vivera, embora Iara sempre lhe dera a impressão que era feliz do jeito que vivia, da sorte que “Nhanderú etê” lhe reservara. Talvez porque soubesse que a morte era uma passagem para um lugar de Paz, sem sofrimentos, sem o frio gelado do inverno e o calor insuportável dos verões. Uma vida onde as primaveras e os outonos eram as únicas estações. Lá, onde dizia que seu pai Bentão também estava, Iara seria uma luz a brilhar em todos os momentos.

Hoje, as águias cinzentas são uma raridade. Como os índios, foram enxotadas por seu predador, o homem. Mas o espírito de Iaraguaçu ainda paira sobre a Lagoa. Dizem os mais antigos que quando uma tormenta vinda do sul ameaça os pescadores, basta uma prece: “Iaraguaçu, grande mãe d’água, socorrei-nos!” Logo o vento se dissipa e a calmaria reina absoluta.

Quando uma águia cinzenta ainda é vista plainando silente e graciosa sobre os céus da região, os mais velhos sabem que a pesca do camarão e das tainhas será afortunada.

E ainda se recolhem e se protegem quando ouvem alguma delas, com trinados agudos voarem em rasantes por ali.

Luiz Eduardo Caminha

* Lenda premiada em 1º. Lugar no 1º. Concurso Internacional de Lendas e Poesia ME - 2010