caminha, caminhando, poetando, vivendo como Deus me permite viver. É assim que vou. É desse jeito que sou. E aqui vão: notícias mensagens, poesias, crônicas, artigos, enfim, tudo que gosto e sou, parte dos caminhos que este caminhante procura seguir. Apenas isto!

terça-feira, 7 de outubro de 2008

De volta....

Queridos amigos,

após uma breve ausência motivada por uns probleminhas de saúde, aqui estou de novo, caminhando, caminhante, escrevendo, escrevente, poetanto e penitente, pedindo escusas pelo lapso de tempo destas últimas postagens.

As borboletas voltaram

Fazia muito tempo que eu não via voar uma borboleta azul. Daquelas, grandes, com dois círculos pretos nas asas como se fossem olhos a perscrutar o mundo, a natureza por onde passam. Aliás, não apenas as azuis, as amarelas, brancas e até aquelas rajadas, alaranjadas, imitando pele de onça-pintada, tão comuns, também estas, há muito que eu não as via.

Sentado na varanda de minha casa, escutando um ou outro piar de passarinhos nas árvores vizinhas, divertindo-me com o toc-toc insistente de um pica-pau de penacho, no tronco de uma antiga figueira, à cata de minúsculas presas para seu sustento, pousei os olhos no portão distante uns 30 metros. Foi de repente, como se saltasse por cima do muro, qual intrusa suspeita, ela apareceu. Uma borboleta azul. Parecia atender ao meu chamado. Veio batendo asas, saltitante, naquele vôo de sobe e desce, vai para um lado, para outro, como se num jeitoso bailado uma atleta olímpica ou, quem sabe, de uma bailarina do balé Bolshoi. Aquelas, onde fios transparentes as fazem voar pelos palcos, como se asas tivessem.

E veio voando, chegando de mansinho, alegre, faceira como menina moça a desfilar para os olhos cobiçosos de supostos pretendentes. Pousou numa folha de hibiscos amarelos. O verde, o amarelo, o azul, compunham uma aquarela pintada pelas mãos de Deus.

Ficou ali um tempo. As asas num movimento lento, delicado e continuo, de abrir e fechar, como se a ajudassem a equilibrar. É! Fazia muito tempo que meus olhos não brilhavam com imagens assim.

O piar triste de um sabiá branco me acordou do transe. Fazia, também, muito tempo que não ouvia o cantar alegre de um sabiá laranjeira. E os sabias brancos, parecem se negar a dobrar. Ficam só piando. Meus pensamentos pareceram uma provocação. Como a me dar satisfação, o sabiá branco resolveu fazer um dobrado. Cantou uma, dobrou duas vezes, dobrou de novo. Agora sim, menino! Estás cantando alegre, exclamei, em êxtase!

Voltei os olhos à borboleta azul. Lá estava. Descansando. Daqui a pouco partiria para outros vôos, outros olhares, outros lugares.

E foi aí que me veio um pensamento: Porque será que as borboletas sumiram? Não conseguia resposta, por mais que tentasse. Bem que meu jardineiro tentou convencer-me. Para ele, que aprendera tudo da profissão com o velho pai, a culpa era dos sagüís e do progresso. É uma mania que tem o pessoal antigo do interior da ilha. Tudo é culpa dos sagüis. Para eles, estes bichinhos sorrateiros, comem os filhotes dos pássaros, ainda indefesos, nos ninhos. Foram eles que espantaram toda a bicharada, os passarinhos, o macaco-prego, os bugios, as aracuãs, para a densa Mata Atlântica, ainda exuberante, em que pese a mão do homem a desferir-lhe contínuos atentados. “São uns peste, dotô!” Dizia em seu falar ligeiro dos manézinhos.

Por mais que eu tentasse argumentar o contrário, nada o convencia. Argumentei que eles não nasceram ali, foram trazidos, multiplicaram-se e tomaram seu espaço. Só comiam os passarinhos por necessidade de sobrevivência e, mesmo assim, só o faziam nas casas aonde ninguém se dispunha a alimentá-los. Não era o nosso caso. Em nossa casa eu nunca vira ou tivera notícia de um sagüi que tenha investido contra um ninho de passarinho.

De fato, os sagüis chegaram à Florianópolis pelas mãos do próprio bicho homem. Na década de 60 era moda importar, do norte, casais destes pequenos e graciosos símios. Eram dóceis, fáceis de domesticar, engraçados. Aquilo virou febre. Até eu tive um. Machinho, a quem chamava Chico, foi meu pai quem o trouxe de uma viagem à Manaus. Morreu. E sua morte foi tão triste que nunca mais quis ter outro. Contraiu uma gripe, fez uma complicação pulmonar e passou seus últimos dias com uma dificuldade atroz para respirar. Fazia carinha de sofrimento. Penso que até chorou. Morreu em minhas mãos. Agonizando, sofrendo, fazendo caretas de dor. Parecia um ser humano.

Mas eu contava da febre que foram os sagüis. Fruto de sua vida a dois, em casais, começaram a aparecer os filhotes. Era preciso aumentar o espaço. Não sabíamos, os ilhéus, os hábitos familiais desta raça. A fêmea, dona do pedaço, tem os machos a seu serviço, inclusive os procriados. Cada fêmea, oito a nove machos. Não deu mais para segurar. Começaram a soltar os bichinhos, eles ganharam as matas e conquistaram seus espaços. Como são mais domésticos, ganharam o lugar de domínio dos macacos pregos, mais ariscos e lépidos. Os bugios, ao contrário, era só fruto da má fama. Nunca estiveram próximo das casas. Sempre guardaram a devida distância. Muito mais selvagens, só eram vistos em bandos, bem dentro da mata. Às vezes, em alguns lugares, se ouviam seus gritos, bem longe.

Pois daí, a culpar os sagüis pela ausência das borboletas, era apenas uma cisma. Talvez para justificar a sana de alguns que adoravam dar pilotadas nos bichinhos, munidos de funda, ou estilingue, como queiram. Havia mais uma incompatibilidade na história que meu jardineiro contava. Os passarinhos, em muitas casas da ilha, tinham voltado ao convívio das famílias que lhes ofereciam alimentos, dispostos em comedouros colocados nos quintais e jardins. Mas, falava alto a segunda hipótese do jardineiro: o progresso. A chegada do homem, com suas casas, destruindo a mata daqueles cerca de 500 metros que separam os morros da ilha de sua orla marítima ou lacustre.

Isto entretanto, não explicava, de todo, a ausência das borboletas. Afinal, muita mata ainda havia. Porque elas não estavam lá? E se estivessem, porque, volta e meia, não vinham para as casas voando fagueiras?

Já que o jardineiro continuava a argumentar contra os sagüis, fiz uma provocação. Chamei sua atenção para a constante presença destes bichinhos nos fundos de nosso quintal. “Sim, o dotô i sua muié vivi dandu comida pra elis!”, foi sua resposta em franco manezês. Foi aí que apontei para a borboleta azul. Ele se espantou . Correu a me explicar que estes bichos traziam sorte para a casa que visitavam. Palavras de seu velho e experiente pai. Alguma coisa de bom, que iria trazer muita alegria deveria, segundo ele, acontecer.

Era fim de tarde. Um bando de gralhas voltava de sua jornada diária fazendo aquela algazarra. A borboleta azul alçou vôo e se foi. Visitar outros lugares. Levar sorte para outras casas. Graciosa, saltitando no ar, tal qual chegara.

Naquela noite pensei muito sobre o que meu jardineiro havia falado. Dia seguinte, acordei bem cedo. Uma raridade para um ser notívago como eu. Algo, no entanto, me chamava a acordar. O sol estava ainda a se espreguiçar. Seus raios matinais pareciam plêiades de braços tentando agarrar as árvores. O céu azul límpido prometia um lindo dia. Um bando de andorinhas sobrevoava o telhado alto do quarto de minha filha. E foi aí que vi. Muitas. Dezenas de borboletas amarelas e brancas. Daquelas pequenas que vivem em bandos. Sobrevoavam elegantes as folhagens baixas do jardim. Em Ratones, pensei, as borboletas são madrugadeiras. Estão aí! Será? Será que sou eu quem tem perdido a oportunidade de vê-las todas as manhãs?

Canários, rolinhas, tico-ticos, ferreirinhas e bico-de-lacres partilhavam, num gorjear contínuo, os comedouros. Um bando de tirivas passou ao alto, enchendo o ar com o som de seu palrar. O toc-toc frenético do pica-pau continuava. Até meus ocasionais visitantes, um casal de papagaios, se fez presente neste dia. A natureza parecia em festa. Fiquei feliz. Fazia tempo que não me sentia tão alegre. Aí pensei: seria a tal sorte, trazida pela borboleta azul? E o sumiço das borboletas?

Nem sei! Sei apenas que voltaram. Prenúncio, quem sabe, da primavera. Bem, os sagüis? Continuam por lá, serelepes e faceiros. Como toda a bicharada.

Luiz Eduardo Caminha,

Ratones, Florianópolis, 20.09.2008

2 comentários:

  1. Grande alegria por ter recebido tua energizante e revitalizante mensagem no meu blog...e alegria ao quadrado, ao cubo, por sabê-lo de volta e reestabelecido.
    Que o Grande Deus dos Poetas te proteja e te mande cada vez mais luz, talento e saúde !
    Abração gaúcho de quebrar costelas do

    James Pizarro

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  2. Grande Caminha
    Parabéns pelo lançamento de seu livro hoje. Belo trabalho
    Um abraço Adalberto Day de Blumenau

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