após uma breve ausência motivada por uns probleminhas de saúde, aqui estou de novo, caminhando, caminhante, escrevendo, escrevente, poetanto e penitente, pedindo escusas pelo lapso de tempo destas últimas postagens.
As borboletas voltaram
Fazia muito tempo que eu não via voar uma borboleta azul. Daquelas, grandes, com dois círculos pretos nas asas como se fossem olhos a perscrutar o mundo, a natureza por onde passam. Aliás, não apenas as azuis, as amarelas, brancas e até aquelas rajadas, alaranjadas, imitando pele de onça-pintada, tão comuns, também estas, há muito que eu não as via.
Sentado na varanda de minha casa, escutando um ou outro piar de passarinhos nas árvores vizinhas, divertindo-me com o toc-toc insistente de um pica-pau de penacho, no tronco de uma antiga figueira, à cata de minúsculas presas para seu sustento, pousei os olhos no portão distante uns 30 metros. Foi de repente, como se saltasse por cima do muro, qual intrusa suspeita, ela apareceu. Uma borboleta azul. Parecia atender ao meu chamado. Veio batendo asas, saltitante, naquele vôo de sobe e desce, vai para um lado, para outro, como se num jeitoso bailado uma atleta olímpica ou, quem sabe, de uma bailarina do balé Bolshoi. Aquelas, onde fios transparentes as fazem voar pelos palcos, como se asas tivessem.
E veio voando, chegando de mansinho, alegre, faceira como menina moça a desfilar para os olhos cobiçosos de supostos pretendentes. Pousou numa folha de hibiscos amarelos.
Ficou ali um tempo. As asas num movimento lento, delicado e continuo, de abrir e fechar, como se a ajudassem a equilibrar. É! Fazia muito tempo que meus olhos não brilhavam com imagens assim.
O piar triste de um sabiá branco me acordou do transe. Fazia, também, muito tempo que não ouvia o cantar alegre de um sabiá laranjeira. E os sa
Voltei os olhos à borboleta azul. Lá estava. Descansando. Daqui a pouco partiria para outros vôos, outros olhares, outros lugares.
E foi aí que me veio um pensamento: Porque será que as borboletas sumiram? Não conseguia resposta, por mais que tentasse. Bem que meu jardineiro tentou convencer-me. Para ele, que aprendera tudo da profissão com o velho pai, a culpa era dos sagüís e do progresso. É uma mania que tem o pessoal antigo do interior da ilha. Tudo é culpa dos sagüis. Para eles, estes bichinhos sorrateiros, comem os filhotes dos pássaros, ainda indefesos, nos ninhos. Foram eles que espantaram toda a bicharada, os passarinhos, o macaco-prego, os bugios, as aracuãs, para a densa Mata Atlântica, ainda exuberante, em que pese a mão do homem a desferir-lhe contínuos atentados. “São uns peste, dotô!” Dizia em seu falar ligeiro dos manézinhos.
Por mais que eu tentasse argumentar o contrário, nada o convencia. Argumentei que eles não nasceram ali, foram trazidos, multiplicaram-se e tomaram seu espaço. Só comiam os passarinhos por necessidade de sobrevivência e, mesmo assim, só o faziam nas casas aonde ninguém se dispunha a alimentá-los. Não era o nosso caso. Em nossa casa eu nunca vira ou tivera notícia de um sagüi que tenha investido contra um ninho de passarinho.
De fato, os sagüis chegaram à Florianópolis pelas mãos do próprio bicho homem. Na década de 60 era moda importar, do norte, casais destes pequenos e graciosos símios. Eram dóceis, fáceis de domesticar, engraçados. Aquilo virou febre. Até eu tive um. Machinho, a quem chamava Chico, foi meu pai quem o trouxe de uma viagem à Manaus. Morreu. E sua morte foi tão triste que nunca mais quis ter outro. Contraiu uma gripe, fez uma complicação pulmonar e passou seus últimos
Mas eu contava da febre que foram os sagüis. Fruto de sua vida a dois, em casais, começaram a aparecer os filhotes. Era preciso aumentar o espaço. Não sa
Pois daí, a culpar os sagüis pela ausência das borboletas, era apenas uma cisma. Talvez para justificar a sana de alguns que adoravam dar pilotadas nos bichinhos, munidos de funda, ou estilingue, como queiram. Havia mais uma incompatibilidade na história que meu jardineiro contava. Os passarinhos, em muitas casas da ilha, tinham voltado ao convívio das famílias que lhes ofereciam alimentos, dispostos em comedouros colocados nos quintais e jardins. Mas, falava alto a segunda hipótese do jardineiro: o progresso. A chegada do homem, com suas casas, destruindo a mata daqueles cerca de
Isto entretanto, não explicava, de todo, a ausência das borboletas. Afinal, muita mata ainda havia. Porque elas não estavam lá? E se estivessem, porque, volta e meia, não vinham para as casas voando fagueiras?
Já que o jardineiro continuava a argumentar contra os sagüis, fiz uma provocação. Chamei sua atenção para a constante presença destes bichinhos nos fundos de nosso quintal. “Sim, o dotô i sua muié vivi dandu comida pra elis!”, foi sua resposta
Era fim de tarde. Um bando de gralhas voltava de sua jornada diária fazendo aquela algazarra. A borboleta azul alçou vôo e se foi. Visitar outros lugares. Levar sorte para outras casas. Graciosa, saltitando no ar, tal qual chegara.
Naquela noite pensei muito sobre o que meu jardineiro havia falado. Dia seguinte, acordei bem cedo. Uma raridade para um ser notívago como eu. Algo, no entanto, me chamava a acordar. O sol estava ainda a se espreguiçar. Seus raios matinais pareciam plêiades de braços tentando agarrar as árvores. O céu azul límpido prometia um lindo dia. Um bando de andorinhas sobrevoava o telhado alto do quarto de minha filha. E foi aí que vi. Muitas. Dezenas de borboletas amarelas e brancas. Daquelas pequenas que vivem em bandos. Sobrevoavam elegantes as folhagens baixas do jardim. Em Ratones, pensei, as borboletas são madrugadeiras. Estão aí! Será? Será que sou eu quem tem perdido a oportunidade de vê-las todas as manhãs?
Canários, rolinhas, tico-ticos, ferreirinhas e bico-de-lacres partilhavam, num gorjear contínuo, os comedouros. Um bando de tirivas passou ao alto, enchendo o ar com o som de seu palrar. O toc-toc frenético do pica-pau continuava. Até meus ocasionais visitantes, um casal de papagaios, se fez presente neste dia. A natureza parecia em festa. Fiquei feliz. Fazia tempo que não me sentia tão alegre. Aí pensei: seria a tal sorte, trazida pela borboleta azul? E o sumiço das borboletas?
Nem sei! Sei apenas que voltaram. Prenúncio, quem sabe, da primavera. Bem, os sagüis? Continuam por lá, serelepes e faceiros. Como toda a bicharada.
Ratones, Florianópolis, 20.09.2008
Grande alegria por ter recebido tua energizante e revitalizante mensagem no meu blog...e alegria ao quadrado, ao cubo, por sabê-lo de volta e reestabelecido.
ResponderExcluirQue o Grande Deus dos Poetas te proteja e te mande cada vez mais luz, talento e saúde !
Abração gaúcho de quebrar costelas do
James Pizarro
Grande Caminha
ResponderExcluirParabéns pelo lançamento de seu livro hoje. Belo trabalho
Um abraço Adalberto Day de Blumenau