caminha, caminhando, poetando, vivendo como Deus me permite viver. É assim que vou. É desse jeito que sou. E aqui vão: notícias mensagens, poesias, crônicas, artigos, enfim, tudo que gosto e sou, parte dos caminhos que este caminhante procura seguir. Apenas isto!

domingo, 7 de junho de 2009

Réquiem à minha mãe

Faz uma semana

“requiem aeternam dona eis” – dá-lhes o descando eterno

Faz, hoje, uma semana que perdemos nossa mãe. Edy Ávila Caminha, a vó Edy. Ainda lembro. O sol de outono já declinava sua cabeça por trás dos montes, a luz do dia ia se apagando, o dia se findando, o crepúsculo anunciava uma noite estrelada. A pressa dos trabalhadores do Jardim da Paz denunciavam: temos que terminar antes que a noite chegue. Lembrei do sepultamento de Jesus. A correria - mal deu tempo para despedidas - nenhum osso quebrado, cumpria-se a Escritura.

O som das lápides de cimento colocadas por sobre o caixão, o roçar das colheres de pedreiro a vedar qualquer buraco que restasse, o surdo compasso do barro caindo sobre as lápides que encobriam uma urna de madeira, último descanso daquele corpo inerte. Ainda lembro de seu rosto sereno, parecia ter sido submetida à uma plástica facial. Irradiava luz, irradiava paz, irradiava esperança. Parecia disfarçar um sorriso de satisfação.

Hoje ainda sinto um sentir diferente. Não foi assim quando perdemos nosso querido pai Hamilton, nem quando nos deixou nosso irmão Luiz Fernando. A medicina ayurvética chama a isto de memória celular. Deepak Choppra traduziu-nos como memória quântica. Como se cada célula do corpo transmitisse a cada uma que lhe substitua, no frenético nascer-morrer de nossos tecidos, a carga de memórias vividas.

Talvez eles tenham razão. O que sinto, quem sabe, esteja ligado a isto. Ao fato de que cada filho experimentou transmitir àquele ser em formação, esperança do amor dos pais, nove meses de mensagens memoriais de um ventre, abençoado pela fecundidade. Talvez estas impressões sejam a causa deste jeito diferente de sentir. Não sei! O fato é que o sentimento da perda de uma mãe é, pelo menos para mim, diferente da perda de um pai ou um irmão. De todos sentimos a falta. De todos nos emocionou e levou às lágrimas a partida, o adeus final, de todos sentimos a tristeza e a dor fazendo morada em nosso coração. Mas no caso de uma mãe, assoma-se um outro sentimento de perda. Como se algo fosse arrancado de nós mesmos, talvez de nossas células. É como se morrêssemos também um pouco. Como se um vazio invadisse nosso coração e, como um tsunami, percorresse todo o nosso corpo. Um vazio ausência, como aquele cobertor que, nas noites mais frias, cisma em abandonar seu lugar, cair ao lado da cama, nos deixando expostos. É isto! Um cobertor. É a melhor ilustração que possuo. Este sentir é tal qual um manto que nos foi tirado em dia frio. A pele, a própria carne, sente que algo aconteceu. Um rompimento com a segurança, com a proteção. Que é diferente é!

É assim que sinto!

Eu creio, sim, na Igreja Universal, na comunhão dos santos, na Igreja invisível, na koinonia - união de todos os irmãos que crêem, os vivos e aqueles que já partiram. Entretanto, fica aquela percepção de ausência de proteção quando sabemos que ela, a nossa mãe, não está mais lá, fisicamente, ante seu oratório de inúmeros santos, a pedir intercessão por nós. Fica a sensação daquele elo quebrado que, dia a dia, minuto a minuto, em frente ao seu altar, defronte à Rede Vida, estava lá, a pedir pela gente. Falta aquele telefonema, uma, duas, três vezes ao dia, às vezes, a comunicarmos que tudo ia dar certo porque ela já havia orado a Deus. Nós poderíamos até esquecer, ela não. E esquecíamos não por negligencia. Sabíamos que ela estava lá. Como as freiras clarissas que lá estão, escondidas a orar pela humanidade, a preencher o espaço deixado pela falta de oração desta própria humanidade.

Eu sei! Eu sei! Agora ela não precisa mais fazer suas orações naquele oratório, na frente da televisão ao assistir a Rede Vida, de olhos fechados, na cama, ao desfiar as contas de seu rosário. Agora ela está lá! Despacha direto com Deus. Ela não precisa mais lembrar Maria, inúmeras vezes, para interceder por nós junto a seu Filho Jesus Cristo e a Seu Pai. Agora é Maria quem lhe dá a mão e lhe põe de joelhos defronte à sarça ardente, aos pés do Seu e Nosso Senhor. Não precisa mais confundir e assoberbar seus santos com pedidos para uns e para outros. Agora ela o faz pessoalmente, em união com eles, como se fosse um deles.

Há muitas outras coisas que se foram. As continuas trapalhadas, o falar rápido, o “tenho medo de ti, guri! Alguns palavrões que já foram, de tão inocentes, incorporados ao Aurélio, a insistente e inconfundível desconfiança, herança de São Tomé. Também não vai ter mais a subtração distraída de um carro estranho num estacionamento de um “shopping” porque a sua chave lhe coube no estojo, nem terá mais que reclamar com a gerência da loja porque o manequim de gesso da vitrine não lhe dera atenção, nem o fantasiar-se de mascarado vai haver mais.
Enfim, muitas coisas doces, hilárias, algumas tristes, a maioria alegres, ficarão na nossa lembrança até que partamos para, merecendo-o, encontrá-la. Sim, porque ela está lá. Já encontrou a todos. Nosso pai, que após sua morte roubou-lhe muito da vontade de viver e resmungar, seu amado segundo filho, um inconformismo que disfarçava magistralmente de todos, seus irmãos, sua mãe, a vó Mimosa, tantos outros e, sobretudo, Deus Pai, Jesus Cristo, Maria, nos quais acreditava tanto e tinha uma intimidade tão intensa como se dividisse, com eles, o espaço de seu apartamento.

Mas, por certo, estará vigilante, pelos seus, por nós, por todos os parentes, pelos amigos. Não tenham dúvida, ela não se conformará como o rico que pediu a Deus permitir que Lázaro avisasse seus parentes que o inferno existia. Com certeza, ela encherá tanto a paciência de Deus Pai que Ele a permitirá, sim, vir visitar-nos para dizer: o céu existe, o inferno também, façam tudo direitinho para virem para cá, para o céu, para a eternidade, onde estamos.

A Rede Vida perdeu uma fiel telespectadora. O Céu ganhou uma atriz, estrela de primeira grandeza.

Se não crêssemos nisto, como diz São Paulo, vã seria nossa fé.

Até breve, mãe! Até breve vó Edy.

Luiz Eduardo Caminha,
Ratones, Floripa, 05.06.2009

8 comentários:

  1. Tioo muito lindo, ela merece!! Dá um aperto muito forte, mas nos resta rezar p Deus acalmar o nosso coraçãozinho e pra que ela não veja nosso sofrimento,e apartir de agora só veja nossas vitorias!!! Força pra nós!!! Beijos te amo, Giulia

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  2. Oi Luiz Eduardo...é isso mesmo...a dor é mto diferente...que Deus com sua infinita misericórdia nos alivie o sofrimento e nos faça ter coragem para continuar!!!
    te amo irmão!!!
    Lise

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  3. Comandante Caminha !

    Não tive mortos até os 65 anos. Porém, em apenas 10 meses, perdi meu pai, meu sogro e minha sogra. Fiz especialização, mestrado e doutorado em morte em apenas 10 meses. Ficou apenas minha mãe, para o pós-doctor...
    Mas como homem de profunda fé,me sinto confortado. A fé é para esses momentos, amigo Caminha !
    A gente sente demais, chora muito nos primeiros momentos e, em especial, nas horas rituais da despedida. O Freud dizia que a gente tem de curtir o luto, vivenciar com intensidade o velório, para que não fique depois restos de arrependimento.
    Mas passado esses primeiros dias e semanas, as melhores obras que podemos dar para nosso ente querido que se foi são nossas obras de misericódia. Cada esmola que dou, cada prato de comida que alcanço, cada família de dependente químico que oriento, etc...tudo isso eu faço de boa vontade e sempre me lembrando dos meus mortos. É a melhor maneira de dar alegria a eles.
    Chorar é bom. É salutar. É humano. Mas chorar demais é pornográfico. E perturba a paz da ama que partiu.Já na próxima missa que assistirei com minha mulher, dedicaremos a mesma à memória da tua santinha vó Edy, tua venerada mãezinha.
    Estas mães, Caminha - na faixa etária em que morrem e com os filhos e netos encaminhados honestamente - elas morrem santificadas. Podes ter certeza disso !
    Teu texto é lindo, emocionante ! E digno da Santa Edy dos Ratones de Todos os Santos.
    Abraço fraterno dessa

    Criatura Pizarrônica

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  4. Luiz Eduardo e Familia!

    Compartilhamos com Paulo, o Apóstolo e contigo:
    - Vida triste, vazia é do que não crê no repouso eterno...
    Dona Edy juntamente com um sem número de outras
    Mães, alegram etérea morada que cremos... Jubilemo-nos pois! E que olhem Elas por nós...

    Abraços

    Joel Toledo e família

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  5. Boa tarde, amigo!

    Muito lindo o texto que escreveu por ocasião da missa de Sétimo Dia de sua mãe.

    Me emocionei com suas palavras, sentimentos e as recordações das passagens de suas vidas
    que jamais serão esquecidas. Passagens alegres, tristes, hilárias ou apenas momentos de silêncio,de compreensão, prece e recolhimento espiritual.

    Mais uma coisa me chamou a atenção: Você diz que ela estava tranquila e seu semblante era de paz.

    Ah! Meu amigo! Como seria bom se todos os que partissem daqui, deixassem essa imagem de felicidade pela missão cumprida. Sinal que ela estava bem acompanhada e feliz em rever aqueles que ela amava e que partiram antes dela desta vida.

    Só por isso, seu coração será consolado, embora a saudade que ela deixou, vá acompanhá-lo sempre, até o momento de se reencontrarem. Claro que até lá, ela estará orando e cuidando de vocês, com um amor maior ainda do que dedicava quando estava presente em suas vidas.

    Como você mesmo disse, agora ela irá diretamente a Fonte buscar auxílio e proteção para todos que amava e que deixou na Terra.

    Onde ela estiver, sei que ficará orgulhosa e feliz por ter gerado um filho como você e que vive os exemplos que ela ensinou e deixou pra suas vidas.

    Um abraço

    Márcia

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  6. Prezado Dr. CAMINHA.

    Grande amigo-irmão DR.CAMINHA, eu e a minha família, desejamos solidarizar-nos com todos vós pela partida da sua mãe. Esperamos que ultrapassem mais este desgosto da melhor maneira que for possível.

    Juntamo-nos a vós num grande abraço de amizade com DEUS o abençoando sempre...

    Jorge Elias FALCON e família.

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  7. lindo seu texto, sua emoção e sentimentos tão à tona, transbordando de seu coração machucado.Há coias que a morte não sepulta porque pertencem à vida eternizada. Depois da pedra colocada, os passos vão se reencontrando aos poucos em direção à vida. É assim que sua mãe quer, creia. Terminado o ritual de sepultamento houve a ressurreição. Que maravilhosa é essa certeza, meu amigo! Mais uma pessoa no céu para pedir por sua família.Muitas vezes, você sentirá bem forte a sua presença ao seu lado. O importante é que ela estará tatuada na sua alma até aquele dia do reencontro. Seja feliz imaginando esse abraço.
    Com carinho,
    Maria José Zanini Tauil
    www.coracao.bazar.nom.br

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  8. Sem palavras para expressar minha emoção ao ler este texto.. me arrancou muitas lágrimas..

    Traduziu perfeitamente algo tão difícil de expressar.. a dor de perder alguém tão especial..

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